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Dica de outubro: O Cônsul Honorário


Por Ezio Frezza Filho


A dica da vez é o livro O Cônsul Honorário, do inglês Graham Greene, de 1973, cuja trama é ambientada na tríplice fronteira, entre Argentina-Paraguai-Brasil, durante as ditaduras dos anos 1970. Envolvendo política e religião, a obra foi para o cinema, em 1983, com o mesmo nome, sob direção de John Mackenzie e com Richard Gere e Michael Caine nos papeis principais. Em síntese, guerrilheiros intentam sequestrar uma autoridade norte-americana, que visitaria a Argentina, e barganhar a liberdade do refém com a de presos políticos. O plano foi executado com a ajuda de um médico, descendente de ingleses; todavia, por um erro crasso, sequestraram a pessoa errada. A partir daí, a tensão vai num crescendo, de lado a lado. Os ditadores são inflexíveis, recusam-se a negociar; negam-se a libertar os presos, mesmo sabendo que o sequestrado estava sob risco de morte; cercam o cativeiro e ameaçam invadir o local. No grupo de sequestradores, as discussões se avolumam e as desavenças vão se aprofundando: sentem a pressão do cerco militar e temem a iminente invasão, o que os leva a um dissenso quanto aos próximos passos: uns querem libertar o cativo, outros querem assassiná-lo. Questões de cunho religioso marcam os debates, pois entre os vários guerrilheiros existem católicos, inclusive um padre, que lidera o grupo. Surgem indagações como: devem matar o refém ou restituir-lhe a liberdade? Matar seria um ato eticamente reprovável? Seria próprio de um católico, sobretudo perante Deus? De outro lado, as atrocidades ditatoriais seriam defensáveis? Deveriam ser combatidas? Se os homens são feitos à imagem e semelhança de Deus, então não podem errar? E Deus? Ele também castiga? Haveria um Deus bom e um Deus ruim? Um Deus da noite e outro Deus do dia? Os debates confessionais se entrelaçam com a realidade política e vão redundar num final surpreendente. Esses dilemas religiosos postos em o Cônsul Honorário são próprios de Graham Greene: em vida, o escritor inglês deixou de ser católico tradicional, praticante e temente a Deus, para renegar o catolicismo, colocando em dúvida a existência de Deus. Certamente por conta das injustiças que presenciou: como jornalista e integrante do serviço secreto inglês, durante a Segunda Guerra, residiu temporariamente em vários países, conhecendo situações estarrecedoras, com a quais produziu vasta ficção: estando no Haiti, escreveu Os Comediantes, tratando da ditadura de Maurice Duvalier, o Papa Doc; da viagem a Cuba, resultou O Nosso Homem em Havana, ambientado nos estertores da ditadura de Fulgêncio Batista e em meio às crises da Guerra Fria. Da sua estada na Argentina, resultou O Cônsul Honorário. O debate político, ético e religioso é o traço marcante da obra de Greene; já na epígrafe do livro ora indicado, ele nos adverte, citando uma frase do também inglês Thomas Hardy: “Todas as coisas se misturam: o bem com o mal, a generosidade com a justiça, a religião com a política”. O livro é encontrável em livrarias e sebos; o filme, vez ou outra entra na programação das tevês fechadas.


Escrito por Ezio Frezza Filho

Editado por Talita Oliveira

Organizado por Giulia Quinteiro

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