Por Ezio Frezza Filho
Matraga não é Matraga? Matraga não é nada? E, então, eu pergunto: quem é Augusto Esteves, filho do Coronel Afonso Esteves, lá das Pindaíbas e do Saco-de-Embira? Ora, ora... outro não é senão o personagem imortalizado em A hora e a vez de Augusto Matraga, de João Guimarães Rosa, de 1946. Normalmente encontrado como o último dos contos de Sagarana, também foi publicado de modo isolado, pela Nova Fronteira e pela Saraiva, dentre outras, em opúsculos com mais ou menos 50 páginas, com dezenas de reedições. Em poucas páginas, o brilhantismo de JGR nos legou uma visão interessante do sertão mineiro, desde Paracatu até Caetité, na Bahia, traçando um arco limitado pelo Rio São Francisco, com seu povo sofrido, bravo, lutador e destemido. JGR conta a história de Matraga, aliás, estória inventada, não é um caso acontecido, conforme narrado em terceira pessoa. Um povo que vive em meio à brutalidade dos ranços coronelistas, típicos do interior brasileiro, misturando a religiosidade tão entranhada nas almas tanto quanto entranhada está o desprezo pela vida. Nhô Augusto parece caminhar pelo mesmo arco do Velho Chico: nasce duvidoso, se avoluma no curso da vida, se torna violento e cruel no meio que o cerca; enfim, sofre com as barragens da vida, entre uma surra (dos homens) e outra (do destino), até sua existência desaguar no mar do desconhecido, vítima fatal das mesmas violências que outrora cultivara. Os aspectos religiosos entranhados na obra de JGR se fazem presentes também em A hora e a vez... Tal como se verifica, exemplificando, em Grande Sertão: Veredas, a religiosidade do povo retratado pelo escritor mineiro se faz presente nas suas histórias: a crença na vida eterna, o medo do castigo divino e as pregações dos padres dos lugares, tudo isso, enfim, corrobora os aspectos do sagrado que perpassa a vida nos sertões brasileiros. Matraga é tudo. Matraga é muitas coisas. Todas as coisas ao mesmo tempo e é cada coisa no seu devido tempo. De assassino brutal a rezador e temente a Deus, é esta a saga de Matraga – até o fim da vida, quando, então, JGR nos brinda com um enigmático final: a hora e vez de Matraga era a hora da vingança? Era a hora da violência voltada para o bem de um povo? Era a hora da violência para evitar outras desnecessárias violências? Há quem veja, nestas indagações, alguma semelhança com a dúvida deixada por Machado de Assis: Capitu traiu Bentinho? Ou não traiu, tudo não passando de um ciúme doentio de Bentinho? Em outras palavras, Matraga se regenerou? Se converteu? Ou sentiu gratidão e contentamento por sentir novamente o gosto do sangue escorrendo em sua hora final?
Escrito por Ezio Frezza Filho
Editado por Talita Oliveira
Organizado por Giulia Quinteiro
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