Por Raphael Felipe da Silva de Jesus

São momentos como este que vivemos, ímpares na história, que possivelmente levam a boas reflexões. É estranho pensar que organismos de biologia tão simples e bilhões de vezes menores do que um ser um humano, como os vírus, são capazes de colocar a espécie humana em isolamento social.
O ser humano é naturalmente um ser que atribui valor as coisas. As sociedades modernas baseiam-se nas trocas imputando valor a tudo. Mas o ser humano tende a só dar verdadeiro valor àquilo que perde. Por efeitos deste coronavírus, a espécie pretensamente dominante neste planeta está provisoriamente privada de sua liberdade, o que nos faz refletir sobre o valor e a importância que este direito fundamental possui.
Valorizam-se excessivamente coisas supérfluas e menosprezam-se coisas de primeira necessidade. Mas o valor das coisas não é fixo e depende das necessidades humanas. As coisas antes de terem um valor de troca possuem um valor de uso. Por exemplo, o álcool gel, que praticamente não era visto nas listas de supermercado, se tornou item de primeira necessidade devido a sua utilidade na prevenção contra a COVID-19. Nesta pandemia, seu preço subiu por várias vezes tornando-o mais valorizado e discutido na mídia do que o preço do petróleo (item com inúmeras aplicações industriais e importância geopolítica), cujo custo caiu como poucas vezes na história.
Saindo dos exemplos de objetos para o nível do humano, estamos observando uma maior valorização a atividades que historicamente são desvalorizadas, especialmente no Brasil. Forçadamente confinados e privados momentaneamente da liberdade, deparamo-nos com uma nova realidade em que pais ficam por mais tempo em casa com seus filhos, tendo que ensinar-lhes os deveres de casa propostos nas "aulas on-line". Neste cenário, se torna mais palpável para a sociedade o árduo trabalho e as dificuldades vividas pelos professores que são tão vilipendiados e humilhados, tanto nas salas de aula quanto pelo poder público. Percebe-se como são importantes os policiais, motoristas de ônibus, garis e diversas outras profissões realmente essenciais. Observa-se, especialmente, como são valiosos os profissionais da saúde, como médicos, enfermeiros, funcionários de limpeza e todos que trabalham nos hospitais na linha de frente, arriscando suas vidas contra uma doença letal da qual pouco conhecemos e não temos cura ou vacinas. Foi necessária uma pandemia de proporções globais para que a má remuneração destes profissionais fosse discutida com mais seriedade nas pautas políticas.
Já no campo das religiões vive-se um período em que as liberdades de frequentar espaços religiosos e fazer rituais estão limitadas. Membros das mais diversas tradições de fé parecem estar entendendo o valor do contato social em seus grupos religiosos. A saudade aperta nos corações de todos os fiéis. Fazem "lives" e se contactam à distância, mas percebem que essa “modernidade” não substitui a presença religiosa, pois não é a mesma coisa que “estar junto” no templo. Os templos religiosos são, em sua maioria, locais para a coletividade. São lugares de bênçãos, toques, beijos, abraços e conversa, locais de encontro que confortam e fortalecem os fiéis. Por extensão tendem a serem lugares propensos a concentração de pessoas. Mas os religiosos precisam entender que agora não é momento de reuniões. Pois são as aglomerações que fazem estes vírus se propagar. Realizar rituais agora é ir contra princípios básicos que as religiões pregam. É ser contra a vida humana. O momento é de isolamento, reflexão e cuidado individual, familiar e coletivo.
Assim, quando esta situação passar, a humanidade terá a oportunidade de dar verdadeiro valor à liberdade. Serão novamente possíveis as reuniões e confraternizações e espera-se que seja uma oportunidade para que haja respeito entre as mais diversas tradições religiosas.
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